O Gato de
Botas
Um gato travesso
com toda a gataria calçou bota e foi ao rei levar presentes certo dia. Seu dono
era bem pobre.
Só tinha um belo
olhar e um belo porte.
Mas o Gato de
Botas transformou sua vida e sua sorte.
Há muito tempo,
um velho moleiro, que tinha trabalhado a vida inteira, chamou seus três filhos
e distribuiu entre eles tudo o que possuía.
Entregou o
moinho ao mais velho, deu o burro para o segundo e para o terceiro, que era o
caçula, sobrou só o gato.
Quando os três
filhos ficaram sozinhos, o mais velho combinou viver e trabalhar junto com o
segundo irmão.
Ele podia fazer
farinha no moinho e o outro iria vendê-la na cidade, com o burro.
Mas
o caçula, que só tinha um gato, era melhor que fosse embora com ele, pois para
nada servia.
O caçula ficou
muito triste, mas concordou:
- Vocês tem
razão. O mais que posso fazer com um gato é comer uns bifes e usar a pele para
um gorro.
Depois fez sua
trouxa e pôs-se a caminho, levando o gato. Não sabia para onde ir. Andou
durante muito tempo . . . Quando se cansou, sentou-se num tronco caído, para
pensar.
- Meu amo!
Poderei ser-lhe mais útil vivo que morto. Arranje-me um par de botas para andar
no bosque e um saco. Você vai ver do que eu sou capaz.
O rapaz
estranhou o pedido, mas arranjou as botas e o saco para o gato.
- Quero só ver o
que um gato pode fazer com isto - pensou.
O
gato assim que recebeu o que pedira, saiu depressa, cantando alegremente.
Enquanto
caminhava em direção ao bosque, o gato ia fazendo seus planos. Seria difícil
imaginar um gato mais esperto do que aquele.
Seu dono nunca
poderia adivinhar o que ele pretendia fazer . . .
Chegando
ao bosque, o gato pôs no chão o saco bem aberto e dentro jogou uns pedacinhos
de pão.
Depois deitou-se
e ali perto, fechou os olhos e fingiu de morto. Dali a pouco uma lebre se
aproximou e foi comer o pão. Entrou no saco e . . . zás! Num piscar de olho o
gato puxou os cordões, fechando o saco, colocou-o ao ombro e correu ao palácio
do rei.
- Majestade,
venho trazer-vos esta lebre, que meu amo e senhor, o Marquês de Carabá, caçou
especialmente para vós.
O rei agradeceu
o presente e mandou o cozinheiro preparar a lebre para o jantar.
Nos dias que se
seguiram, o gato tornou a levar ao rei vários presentes do Marquês de Carabá:
lebres, codornas, coelhos, faisões.
O gato chegava
ao palácio e fazendo uma grande reverência, entregava ao rei a caça do dia:
- Majestade, eis
aqui duas perdizes, que vos envia meu amo, o marquês de Carabá!
O rei ficava
encantado. Estava cada vez mais curioso para conhecer o Marquês de Carabá, que
o presenteava tanto.
Os próprios
cortesãos perguntavam uns aos outros quem era o tal marquês.
E o rei pensava:
- Se é tão
bonito quanto é bom caçador, se é tão rico como esplêndido senhor, da minha
filha eu lhe darei a mão e o amor!
Um dia o gato
soube que o rei ia dar um passeio de carruagem com a filha.
Levou o amo até
um lago que ficava perto da estrada por onde o rei deveria passar e quando a
carruagem se aproximava, mandou o dono despir-se e entrar na água.
- Mas, que é
isso, gato? Você perdeu o juízo?
- Depressa, meu
amo, depressa! Faça o que lhe digo e não se arrependerá!
O rapaz não teve
outro jeito senão obedecer. Tirou a roupa e pulou para dentro da água.
A carruagem do
rei já estava perto e o gato começou a gritar:
- Socorro! Meu
amo está se afogando! Socorro, Majestade!
O
rei ordenou que parasse e que seus guardas tirassem o marquês de dentro do rio.
O gato agradeceu ao rei e disse:
- O pobre
marquês . . . foi atirado ao rio por dois bandidos . . . que lhe roubaram.
O rei então a um
de seus servos que corresse ao palácio e trouxesse o traje mais bonito de seu
guardaroupa.
O furto da roupa
era mais uma invenção do gato. É claro que o Marquês de Carabá não poderia
apresentar-se vestido com as roupas pobres de um moleiro . . .
Quando o servo
chegou com o belo traje do rei, o rapaz vestiu-se e aproximou-se da carruagem.
Inclinou-se numa reverência e agradeceu ao rei por tê-lo salvo.
A princesa pediu
ao pai que convidasse o Marquês de Carabá para entrar na carruagem e
continuar o passeio com eles.
O rapaz aceitou
o convite e o rei vendo que a filha se interessava pelo moço, começou a pensar:
- Um marquês
desconhecido! Preciso saber quem ele é e também se é rico.
Enquanto isso o
gato correra na frente e já estava longe.
Ao encontrar
camponeses trabalhando a terra o gato ordenou em voz grossa:
- Se alguém
perguntar de quem são estas terras, digam que pertencem ao Marquês de Carabá.
Se não responderem assim, eu os picarei em pedacinhos e farei salsicha de
vocês!
Daí a pouco chegou
a carruagem do rei. Os camponeses o saudaram e ele perguntou de quem eram
aquelas terras.
- São do Marquês
de Carabá!
O rei olhou
admirado para o rapaz, que disse modestamente:
- É apenas um
campo que quase não dá lucro . . . não dá nem para comprar os cartuchos para
minha espingarda!
O rei cada vez
mais admirado com a riqueza do marquês e não parava de cumprimentá-lo.
O gato
entretanto continuara a correr e chegara a um castelo. Com a maior caradepau,
bateu à porta:
- Quem é -
perguntou o guarda.
- Pode dizer-me
de quem é este castelo?
- É de um
terrível feiticeiro! - respondeu o guarda. - É melhor você ir andando, porque
hoje ele espera hóspedes para um banquete.
O gato insistiu:
- Não posso
passar por aqui sem parar para ver seu patrão. Pode anunciar-me: sou o gato do
Marquês de Carabá e quero cumprimentá-lo.
- Um gato! Que
visita estranha! - disse o feiticeiro, que era muito vaidoso. E mandou-o
entrar, pensando que o gato viesse prestar-lhe homenagens.
Aproxime-se!
- ordenou o feiticeiro ao gato. - Vejamos se consegue me agradar.
- Que bela barba
o senhor tem! - exclamou o gato. - E que barriga tão gorda!
- Bravo, gato!
Você sabe fazer elogios. E agora, o que tem para me dizer?
- Ouvi falar que
. . . mas não é possível . . . não acredito . . . que o senhor é capaz de se
transformar num leão!
- Oh! As más
línguas . . . Mas, se o senhor me der uma prova de seu poder . . .
- Claro. Posso
me transformar no que quiser - respondeu o feiticeiro.
Um . . . dois .
. . três! O feiticeiro se transformou num enorme leão. O gato teve tanto medo,
que até suas botas tremeram. Mas acalmou-se e disse:
- Muito bem,
muito bem! Mas deve ser fácil virar leão. O senhor é grande e o leão também é .
. . Não vejo dificuldade nisso!
- Posso virar
qualquer coisa, já disse! Até uma coisinha bem pequena!
- Não é possível
- retrucou o gato. - Ainda mais porque agora o senhor já deve estar cansado!
- Sou um
feiticeiro e os feiticeiros não se cansam. Pode escolher qualquer bicho e me
transformarei nele.
O gato que era
muito esperto, pediu ao feiticeiro que virasse um ratinho bem pequeno.
- Isso é fácil -
disse o feiticeiro. Fique olhando: um, dois e três! O feiticeiro, grande como
era, virou um ratinho.
O gato,
não perdeu tempo: num instante pegou o ratinho e comeu. Livre do feiticeiro, o
gato percorreu o castelo, dizendo:
- O feiticeiro
morreu. O novo dono do castelo é o Marquês de Carabá. Guardas! Servos!
Cozinheiro9s! Preparem-se para receber o Marquês de Carabá e Sua Majestade o
rei, em pessoa!
- O feiticeiro
morreu. O novo dono do castelo é o Marquês de Carabá. Guardas! Servos!
Cozinheiro9s! Preparem-se para receber o Marquês de Carabá e Sua Majestade o
rei, em pessoa!
O banquete que o
feiticeiro ia oferecer aos amigos, será servido ao rei, - continuou o gato.
- Depressa! A
carruagem real se aproxima!
De fato,
exatamente naquele momento a carruagem do rei passava pela frente do castelo. O
gato correu à estrada e disse:
- Sua Majestade
seja bem vindo ao castelo do Marquês de Carabá!
- Oh! Meu caro
marquês, não sabia que o senhor possuía também um castelo!
- Para dizer a
verdade, nem eu! - respondeu o rapaz.
- Tem um lindo
castelo! - disse-lhe o rei - bem construído e belo!
O moço em
confusão, pensava quieto:
- Isso é coisa
do gato, por certo!
- É mais lindo
que o nosso - disse a princesa!
- Não é meu,
doce princesa! Sou um pobre sonhador. Tenho castelos nas nuvens. Mas estes não
tem valor.
- Ai, ai, ai, ai
. . . disse o rei! Um disse que é do Marquês, outro diz que não é! Ou me falam
a verdade ou mando enforcar os dois, antes do cair da tarde.
- Realmente
senhor, eu menti - disse o gato - peço perdão majestade. Eu juro que nesse
instante, contarei toda a verdade.
- Há muitos e
muitos anos atrás, o gigante roubou todas as terras dos avós desse rapaz. Mas
graças a minha astúcia, posso-lhe afirmar nesse instante.
Tudo agora é do
meu amo. Pois já comi o gigante!
- Viva! Então,
Gato de Botas, condecorado serás, porque livraste o meu reino do gigante
feiticeiro - disse o rei - Quanto a ti, belo mancebo, pela sua honestidade, a
partir desse momento, será marquês de verdade.
- Para
alegria de todos, dou a mão de minha filha - completou o rei!
E assim termina
a história desse gato que foi de fato o mais esperto que houve.
Gato de Botas
que levou sua história a tão bom fim.
Feliz de quem tiver
um gato assim!
Charles Perrault
Nenhum comentário:
Postar um comentário