sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Conto Maravilhoso

CINDERELA – A GATA BORRALHEIRA –


Histórias da Carochinha
A GATA BORRALHEIRA
Era uma vez uma bondosa mulher que tinha uma única filha, uma menina linda e meiga, a quem amava muito. Um dia, a mu­lher adoeceu gravemente e, embora ainda fosse jovem, sentiu que não ia durar muito tempo. Assim, chamou a filha para perto de si e, depois de abraçá-la carinhosamente, pe­diu:
— Seja sempre meiga e bondosa para com todos, minha filha, que lá do céu estarei o tempo todo olhando por você!
Mal terminou de dizer essas palavras, a mãe da menina fechou os olhos e morreu. A pobre criança quase morreu também de tanto chorar. A mulher foi enterrada num lugar muito bonito, no quintal da casa e, desde então, a menina passou a ir todos os dias até o túmulo da mãe, onde ficava ajoelhada, re­zando e chorando.
O tempo passou e, com a chegada do in­verno, os dias se tornaram cinzentos, e as ár­vores ficaram secas e tristes. Mas, quando veio a primavera, o jardim da casa voltou a se encher de flores e passarinhos.
Foi então que o pai da menina resolveu se casar de novo, escolhendo para esposa uma viúva, que tinha duas filhas. No entanto, a chegada da madrasta e das filhas naquela casa não trouxe para ela nenhuma alegria, pois as filhas da viúva eram muito invejosas e tinham mau coração. Desde o primeiro dia, trataram a nova irmã com desprezo, fazendo de tudo para aborrecê-la e humilhá-la. Além disso, passaram a tomar, um por um, os me­lhores vestidos que a menina possuía, deixan­do-a apenas com uma roupa velha e um par de tamancos de madeira.
A madrasta e as filhas eram também muito preguiçosas, e a menina era obrigada a trabalhar, fazendo todo o serviço da casa sozinha.  E à noite, quando terminava o trabalho, morta de cansaço, a pobrezinha não tinha sequer uma cama confortável onde pu­desse descansar, e era obrigada a dormir na cozinha, junto às cinzas do fogão. Por causa disso, as irmãs lhe deram o apelido de Gata Borralheira.
A vida de Gata Borralheira era, assim, muito triste, mais triste ainda porque o pai parecia não ver seu sofrimento e nada fazia por ela. O único refúgio da pobre menina era 0 túmulo da mãe, aonde ia sempre que podia.
Um dia, o pai precisou ir até a cidade e perguntou a cada uma das meninas o que gos­taria que ele trouxesse de presente.
   Eu quero lindos vestidos! — disse uma das filhas da madrasta.
   Eu quero pérolas e diamantes! — disse a outra.
Gata Borralheira, entretanto, nada pe­diu, e o pai, vendo-a calada, perguntou-lhe se não ia querer nenhum presente.
— Papai — ela respondeu —, quero ape­nas que me traga o primeiro galho de árvore que, no caminho de volta, esbarrar em seu chapéu!

O pai partiu e, na cidade, comprou vesti­dos bonitos e pedras preciosas, conforme as filhas da mulher haviam pedido. Quando já voltava para casa, passou embaixo de uma enorme figueira. Alguns galhos da árvore eram muito baixos e um deles derrubou seu chapéu no chão.
Quando desceu para apanhá-lo, o pai se lembrou do pedido da Gata Borralheira. Por isso, arrancou o galho da árvore e o levou para a filha.
Ao chegar em casa, entregou os presentes a cada uma das meninas, e Gata Borralheira, depois de agradecer-lhe muito, correu até o túmulo da mãe. Plantou ali o ramo da figuei­ra, chorando tanto, que o regou com suas lá­grimas.
Em pouco tempo o ramo começou a brotar e ficar viçoso, transformando-se numa árvore grande e bonita, ao pé da qual a menina se ajoelhava para rezar e chorar suas tristezas. Todas as vezes que isso acontecia, um pas­sarinho branco vinha pousar num galho da figueira, e bastava que Gata Borralheira expressasse algum desejo para que ele lhe trouxesse o que ela estava pedindo. O passa­rinho branco se tornou, assim, o único amigo da menina, que não tinha mais ninguém neste mundo em quem pudesse confiar.
O tempo passou, e, um dia, correu por toda a cidade a notícia de que o rei daria uma grande festa, que duraria três dias. Seriam realizados três grandes bailes, para os quais estavam convidadas todas as moças em ida­de de se casar, porque dentre elas o príncipe escolheria uma para ser sua noiva.
Logo que soube da notícia, Gata Borra-lheira sentiu uma vontade enorme de ir ao baile, mas, quando disse isso às irmãs, as duas começaram a rir e uma delas falou:
   Com esse vestido sujo e esses taman­cos de madeira, você quer ir ao baile?!
   E essas mãos grossas?! — disse a ou­tra, morrendo de rir. — Você acha que as mãos delicadas do príncipe foram feitas para segurar as mãos de uma Gata Borralheira?
A pobre menina, humilhada, saiu de perto das duas malvadas para que elas não vissem suas lágrimas.
* * *

Logo chegou o dia do baile, e enquanto as irmãs passavam o tempo todo se arrumando, Gata Borralheira, como sempre, fazia todo o serviço da casa. À tarde, para fazê-la sofrer ainda mais, as duas a obrigaram a passar seus vestidos e a pentear-lhes os cabelos para irem à festa. Quando já estavam quase pron­tas, as maldosas meninas lhe disseram:
— Agora você pode voltar à cozinha. Lá é o lugar certo para uma Gata Borralheira!
Muito magoada, Gata Borralheira foi procurar a madrasta para dizer-lhe que tam­bém queria ir ao baile. Mas a mulher, ao ou­vir o pedido, respondeu:
— Você, Gata Borralheira? Como quer ir ao baile se vive tão suja e empoeirada? Ainda por cima, você não tem nem vestidos nem sapatos adequados!
Gata Borralheira, entretanto, pediu tan­to, insistiu tanto que a madrasta acabou di­zendo:
— Está bem. Mas só vou levá-la ao baile se você cumprir uma tarefa: despejei um prato de lentilhas no meio das cinzas do fo­gão.  Se em duas horas você conseguir tirar as lentilhas das cinzas, separar os grãos es­tragados e colocar os bons de volta no prato, você irá ao baile.
E saiu de perto, tendo a certeza de que dera a Gata Borralheira uma tarefa impossí­vel de se cumprir em tão pouco tempo.
Entretanto, logo que a madrasta saiu, a menina lembrou-se de pedir ajuda ao seu ami­go passarinho. Assim, foi até a figueira e cantou:
Querida avezinha do céu, ajude-me a escolher: os grãos bons ponha no prato, e os maus pode comer!
O passarinho branco logo veio em seu so­corro. Mas desta vez não veio sozinho. Assim, em um instante a cozinha estava repleta de pássaros de todos os tipos que, trabalhando rapidamente, ajudaram Gata Borralheira a realizar a tarefa, em pouquíssimo tempo. Quando estava tudo pronto, ela agradeceu a seus amigos e esperou que eles saíssem para ir correndo chamar a madrasta e entregar-lhe o prato cheio de lentilhas. Mas a malvada, furiosa ao ver que a menina tinha conseguido realizar o trabalho, disse-lhe:
— Não posso levá-la ao baile, Gata Bor­ralheira!   Você nem dançar sabe!
A menina, no entanto, continuou insistin­do no pedido, e a madrasta, como não queria levá-la, deu-lhe outra tarefa, mais difícil ainda que a anterior: despejou desta vez dois pratos de lentilhas no meio das cinzas, dan­do-lhe apenas uma hora para separar os grãos bons dos estragados. E, certa de que agora seria mesmo impossível que ela reali­zasse o trabalho, saiu da cozinha toda satis­feita.
Mesmo estando triste, Gata Borralheira nao desanimou. Voltou a pedir ajuda a seu amigo passarinho e, junto com ele, entraram pela janela da cozinha duas pombinhas bran­cas, uma rolinha, muitos sabiás, e logo todos os pássaros do céu estavam ali para ajudá-la. Novamente, em pouquíssimo tempo o traba­lho estava terminado, e Gata Borralheira mais uma vez agradeceu a seus amigos e es­perou que todos eles saíssem para chamar a madrasta à cozinha. A mulher, ao ver que não tinha conseguido seu intento, empalideceu de ódio e disse:
— Sabe de uma coisa, sua Gata Borra­lheira?  Você não vai mesmo ao baile!   Só ia nos fazer passar vergonha diante do rei e, além do mais, já é tarde e estamos de
saída!
Com o coração doendo de tristeza, Gata Borralheira sentou-se nas cinzas do fogão e começou a chorar. Assim que todos saíram para o baile, correu para o túmulo da mãe, ajoelhou-se e, contemplando a figueira com os olhos cheios de lágrimas, pediu:
  Minha avezinha querida,
fa
ça-me mais este bem:
se n
ão for pedir muito,
queria ir ao baile tamb
ém!
Quase que no mesmo instante, o passari­nho branco pousou num ramo da árvore, tra­zendo para a menina um magnífico vestido e um par de sapatinhos muito delicados, todos bordados com ouro e prata.
Gata Borralheira, cheia de alegria, ves­tiu-se rapidamente e foi para o baile. Estava tão linda, tão linda, que assim que entrou no salão todos se viraram para admirá-la. O pró­prio pai e a madrasta com as filhas não pu­deram reconhecê-la, e o príncipe, deslumbra­do com sua beleza, veio diretamente ao seu encontro, dançando com ela a noite inteira, não permitindo que nenhum outro jovem se aproximasse.
Quando chegou a madrugada, Gata Bor­ralheira quis retirar-se da festa. O príncipe insistiu em levá-la para casa, porque queria saber onde morava uma jovem tão encanta­dora e quem eram os seus pais. Como não conseguiu fazê-lo desistir da idéia, a moça foi obrigada a fugir correndo pelas escadarias do palácio. Mas o príncipe, decidido a desco­brir quem era aquela jovem misteriosa, con­tinuou a segui-la pelas ruas e viu quando Borralheira chegou em casa. Correndo pelo jardim, ela já não sabia mais onde se escon­der, e acabou subindo no pombal, na espe­rança de que lá não seria encontrada pelo príncipe.
Assim que o pai de Gata Borralheira che­gou em casa, o príncipe, que tinha ficado ali esperando, contou-lhe o que havia acontecido. O velho pensou imediatamente: "Será que a moça de quem ele fala é Gata Borralheira?". E, curioso, derrubou com seu machado o pombal.
Mas, para decepção dos dois, não havia ninguém lá dentro. É que a menina, muito es­perta, tinha saído dali sem que o príncipe a visse, e, rapidamente, tinha devolvido ao pas­sarinho a roupa e os sapatos com que tinha ido ao baile. Assim, quando a madrasta e as filhas passaram pela cozinha, encontraram Gata Borralheira dormindo profundamente no meio das cinzas, maltrapilha como de cos­tume.
Na noite seguinte, mais uma vez a ma­drasta recusou-se a levá-la ao baile. Gata Borralheira esperou pacientemente que todos saíssem e foi ajoelhar-se diante do túmulo da mãe para pedir:

Minha avezinha querida,
fa
ça-me mais este bem:
 se n
ão for pedir muito,
queria ir ao baile tamb
ém!
Novamente o passarinho branco veio em seu auxílio e atirou-lhe um vestido e um par de sapatinhos mais ricos e bonitos que os da noite anterior. E, como na outra vez, quan­do Borralheira chegou ao baile, sua impres­sionante beleza provocou murmúrios por todo o salão. O príncipe, que já a esperava ansiosamente, assim que a viu, correu ao seu encontro, dançando com ela durante toda a noite.
De madrugada, mais uma vez Gata Bor­ralheira precisou fugir para que o príncipe não a acompanhasse. Sendo novamente per­seguida até o jardim de casa, a menina se escondeu de novo, desta vez numa pereira que havia no quintal.
Mas o príncipe, cada vez mais curioso e encantado com aquela jovem misteriosa, vol­tou a esperar que o dono da casa chegasse para contar-lhe o ocorrido.  O velho, intrigado, pensou outra vez: "Mas será Gata Borralheira a moça de quem ele fala?". E, toman-do de novo seu machado, derrubou imediata-mente a árvore, não encontrando ninguém ali.
Quando a madrasta e as filhas passaram pela cozinha, lá estava Gata Borralheira, com seu velho vestido, encolhida e dormindo profundamente no meio das cinzas.
*     *     *
Na terceira noite, mais uma vez Gata Borralheira pediu e mais uma vez o passa­rinho branco veio em seu auxilio, trazendo–lhe agora um vestido ainda mais bonito e um par de sapatinhos delicadíssimos, bordados em ouro puro.
Ao entrar no salão do baile, todos, inclu­sive o pai, a madrasta e as filhas, ficaram boquiabertos com sua deslumbrante beleza, e de toda parte vinham murmúrios de admi­ração.
O príncipe, olhando-a com amor, tomou suas mãos, convidando-a para dançar. E de novo passou a noite inteira ao seu lado, não permitindo que mais ninguém se aproxi­masse.
Mas nessa madrugada, quando Gata Bor­ralheira fugiu, o príncipe não teve pressa em segui-la, porque, decidido a descobrir quem era a jovem por quem estava apaixonado, tinha mandado os criados do palácio espalha­rem piche por todas as escadarias. Assim, na pressa de fugir, Gata Borralheira acabou perdendo o sapatinho do pé esquerdo, que ficou preso no piche.
O príncipe recolheu o delicado sapatinho e, no dia seguinte, quando o rei lhe perguntou se havia escolhido sua esposa, respondeu:
— Sim, meu pai. Já fiz minha escolha: eu me casarei com a moça em cujo pé servir este sapatinho.
No mesmo dia o príncipe em pessoa saiu pela cidade percorrendo todas as casas onde houvesse moças em idade de se casar, expe­rimentando em todas elas o rico sapatinho. Mas nenhuma moça do reino parecia ter um pezinho tão pequeno a ponto de usar um cal­çado tão delicado.
Depois de visitar muitas casas, o príncipe acabou chegando à casa de Gata Borralheira. Foi recebido pela madrasta que, certa de que a escolhida seria uma de suas filhas, pediu-lhe que esperasse um pouco e levou o sapatinho até o quarto da moça mais velha, para que ela o calçasse.
Por mais que a moça forçasse, entretan­to, não havia jeito de fazer com que o sapato lhe servisse, pois um dedo de seu pé era gran­de demais. Quando estava cansada de ten­tar e já ia desistir, a mãe, trazendo um enor­me facão da cozinha, lhe disse:
— Se o sapato lhe servir, você se tornará rainha e não precisará andar muito. Por isso, acho melhor cortar esse dedo tão grande!
A ambiciosa moça aceitou o conselho e, logo depois, mal conseguindo disfarçar a dor, apresentou-se diante do príncipe como sendo a verdadeira noiva.
Mesmo decepcionado, ele a colocou sobre o cavalo e os dois partiram, rumo ao palácio real.
Entretanto, quando passaram diante do túmulo da mãe de Gata Borralheira, duas pombinhas brancas que estavam pousadas nos galhos da figueira começaram a cantar:
  A verdadeira noiva esta não é!
Se o pr
íncipe olhar para o sapato,
ver
á que há sangue no pé!
Ao ouvir isso, o príncipe olhou para o pé da moça e, vendo o sangue que escorria do ferimento, descobriu que havia sido engana­do. Levou-a imediatamente de volta para a mãe, que se desculpou dizendo:
— Não fique zangado, meu príncipe! Deve ter havido algum engano. Na certa o sapato servirá em minha filha mais nova, que está no quarto.
Enquanto o príncipe esperava, a madras­ta levou o sapatinho ao quarto da filha mais nova. Mas esta também tinha um pé tão gran­de que não havia como fazer com que o calça­do lhe servisse, a não ser cortando-lhe um pedaço do calcanhar.
E foi o que mãe e filha fizeram, pensan­do que, como a moça seria brevemente rai­nha, não precisaria mais andar muito, e um pedaço do pé não lhe faria falta. Lá se foi outra vez o príncipe, levando a falsa noiva sobre seu cavalo. Mas, mais uma vez, ao passarem pelo túmulo da mãe de Gata Borralheira, as pombinhas brancas começaram a cantar:
   A verdadeira noiva esta não é!
Se o pr
íncipe olhar para o sapato,
ver
á que há sangue no pé!
O príncipe olhou então para o sapato da moça e, vendo o sangue que escorria do feri­mento, descobriu que havia sido enganado outra vez. Levou-a imediatamente de volta e, muito zangado, perguntou à madrasta se não havia mais nenhuma jovem na casa. A mu­lher respondeu que não, mas como ele insis­tisse, acabou confessando:
   Existe aqui outra jovem, mas ela é tão feia e anda tão suja e maltrapilha que certa­mente não é a pessoa que Vossa Majestade procura!
   Não faz mal! — respondeu o príncipe. — Tragam-na assim mesmo!
Como não podia desobedecer-lhe, a madrasta mandou chamar Gata Borralheira, que, vestida com suas roupas velhas, apare­ceu logo em seguida. Com a maior naturali­dade, Borralheira tirou o pesado tamanco que usava e calçou delicadamente o sapatinho, em que seu pé entrou sem o menor esforço.
Muito feliz, o príncipe, que já a havia re­conhecido, colocou Borralheira sobre seu ca­valo e os dois partiram, deixando a madrasta e as filhas loucas de ódio e inveja.
Ao passarem diante do túmulo da mãe da menina, lá estavam outra vez as duas pombinhas brancas, que, alegremente, começa­ram a cantar:
Agora está certo,
pois, de fato, esta
é a noiva verdadeira,
e n
ão há sangue no sapato!
Em seguida, as duas pombinhas voaram ao redor de Gata Borralheira e do príncipe, indo depois pousar delicadamente nos ombros da moça, acompanhando-a até o palácio.
Gata Borralheira e o príncipe se casaram m meio às festas mais bonitas que o reino já havia tido.
No dia do casamento, as duas irmãs, fingindo-se arrependidas, pediram à menina que lhes deixasse acompanhá-la e a seu noivo no Cortejo nupcial. Gata Borralheira permitiu, mas, na saída da igreja, o coração das malva­das ia cheio de pensamentos maus, de ódio e inveja. Por isso, as duas pombinhas brancas voaram na direção das invejosas e, com o biquinho, furaram-lhes os dois olhos, deixan­do-as cegas pelo resto da vida, como castigo por sua maldade.
Quanto a Gata Borralheira, viveu feliz com o príncipe por muitos e muitos anos.

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