(Moacyr Scliar)
O casal chegou à cidade
tarde da noite.Estavam cansados da viagem; ela, grávida, não se sentia
bem. Foram procurar um lugar onde passar a noite. Hotel, hospedaria,
qualquer coisa serviria, desde que não fosse muito caro.
Não seria fácil, como eles logo descobriram. No primeiro hotel o
gerente, homem de maus modos, foi logo dizendo que não havia lugar. No
segundo, o encarregado da portaria olhou com desconfiança o casal e
resolveu pedir documentos. O homem disse que não tinha; na pressa da
viagem esquecera os documentos.
- E como pretende o senhor conseguir um lugar num hotel, se não
tem documentos? - disse o encarregado. - Eu nem sei se o senhor vai
pagar a conta ou não!
O viajante não disse nada. Tomou a esposa pelo braço e seguiu
adiante. No terceiro hotel também não havia vaga. No quarto - que era
mais uma modesta hospedaria - havia, mas o dono desconfiou do casal e
resolveu dizer que o estabelecimento estava lotado. Contudo, para não
ficar mal, resolveu dar uma desculpa:
- O senhor vê, se o governador nos desse incentivos, como dão
para os grandes hotéis, eu já teria feito uma reforma aqui. Poderia até
receber delegações estrangeiras. Mas até hoje não consegui nada. Se eu
conhecesse alguém influente... O senhor não conhece ninguém nas altas
esferas?
O viajante hesitou, depois disse que sim, que talvez conhecesse alguém nas altas esferas.
- Pois então - disse o dono da hospedaria - fale para esse seu
conhecido da minha hospedaria. Assim, na próxima vez que o senhor vier,
talvez já possa lhe dar um quarto de primeira classe, com banho e tudo.
O viajante agradeceu, lamentando apenas que seu problema fosse
mais urgente: precisava de um quarto para aquela noite. Foi adiante.
No hotel seguinte, quase tiveram êxito. O gerente estava
esperando um casal de conhecidos artistas, que viajavam incógnitos.
Quando os viajantes apareceram, pensou que fossem os hóspedes que
aguardava e disse que sim, que o quarto já estava pronto. Ainda fez um
elogio:
- O disfarce está muito bom. Que disfarce? perguntou o viajante.
Essas roupas velhas que vocês estão usando, disse o gerente. Isso não é
disfarce, disse o homem, são as roupas que nós temos. O gerente aí
percebeu o engano:
- Sinto muito - desculpou-se. - Eu pensei que tinha um quarto vago, mas parece que já foi ocupado.
O casal foi adiante. No hotel seguinte, também não havia vaga, e
o gerente era metido a engraçado. Ali perto havia uma manjedoura,
disse, por que não se hospedavam lá? Não seria muito confortável, mas em
compensação não pagariam diária. Para surpresa dele, o viajante achou a
idéia boa, e até agradeceu. Saíram.
Não demorou muito, apareceram os três Reis Magos, perguntando
por um casal de forasteiros. E foi aí que o gerente começou a achaar que
talvez tivesse perdido os hóspedes mais importantes já chegados de
Belém de Nazaré.
fonte: http://pedrolusodcarvalho.blogspot.com.br/2012/02/moacyr-scliar-noite-em-que-os-hoteis.html
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