Partir
A
situação a bordo era desoladora. O vento ensurdecedor, o mar difícil, roupas
encharcadas, muito frio e alguns estragos. Pela frente, uma eternidade até o
Brasil. Para trás, uma costa inóspita, desolada e perigosamente próxima. Sabia
melhor que ninguém avaliar as dificuldades que eu teria daquele momento em diante. Estava saindo na pior época
do ano, final de outono, e teria pela
frente um inverno inteiro no mar.
[...]
Finalmente,
meu caminho dependeria do meu esforço e dedicação, de decisões minhas e não de terceiros, e eu me
sentia suficientemente capaz de
solucionar todos os problemas que surgissem, de encontrar saídas para os apuros em que porventura me metesse.
Se estava
com medo? Mais que a espuma das ondas, estava branco, completamente branco de
medo. Mas, ao me encontrar afinal só, só e independente, senti uma súbita
calma. Era preciso começar a trabalhar rápido, deixar a África para trás, e era
exatamente o que eu estava fazendo. [...]
Não
estava obstinado de maneira cega pela ideia da travessia, como poderia parecer
– estava simplesmente encantado. Trabalhei nela com os pés no chão, e, se em
algum momento, por razões de segurança, tivesse que voltar atrás e recomeçar,
não teria a menor hesitação.
Confiava
por completo no meu projeto e não estava disposto a me lançar em cegas aventuras.
Mas não poder pelo menos tentar teria sido muito triste. Não pretendia
desafiar o Atlântico – a natureza é infinitamente mais forte do que o homem –, mas sim conhecer seus segredos, de um lado ao outro. Para isso era preciso com viver
com os caprichos do mar e deles saber
tirar proveito. E eu sabia como. [...]
Amyr Klink
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