quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Relato de viagem

Partir

A situação a bordo era desoladora. O vento ensurdecedor, o mar difícil, roupas encharcadas, muito frio e alguns estragos. Pela frente, uma eternidade até o Brasil. Para trás, uma costa inóspita, desolada e perigosamente próxima. Sabia melhor que ninguém avaliar as dificuldades que eu teria daquele  momento em diante. Estava saindo na pior época do ano, final de outono, e  teria pela frente um inverno inteiro no mar.
[...]
Finalmente, meu caminho dependeria do meu esforço e dedicação, de  decisões minhas e não de terceiros, e eu me sentia suficientemente capaz  de solucionar todos os problemas que surgissem, de encontrar saídas para os  apuros em que porventura me metesse.
Se estava com medo? Mais que a espuma das ondas, estava branco, completamente branco de medo. Mas, ao me encontrar afinal só, só e independente, senti uma súbita calma. Era preciso começar a trabalhar rápido, deixar a África para trás, e era exatamente o que eu estava fazendo. [...]
Não estava obstinado de maneira cega pela ideia da travessia, como poderia parecer – estava simplesmente encantado. Trabalhei nela com os pés no chão, e, se em algum momento, por razões de segurança, tivesse que voltar atrás e recomeçar, não teria a menor hesitação.
Confiava por completo no meu projeto e não estava disposto a me lançar em cegas aventuras. Mas não poder pelo menos tentar teria sido muito triste. Não preten­dia desafiar o Atlântico – a natureza é infinitamente mais forte do que o homem –,  mas sim conhecer seus segredos, de um  lado ao outro. Para isso era preciso com viver com os caprichos do mar e deles  saber tirar proveito. E eu sabia como. [...]

Amyr Klink

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