terça-feira, 15 de setembro de 2015
terça-feira, 8 de setembro de 2015
CRÔNICA FILOSÓFICA
Deu-me agora uma vontade enorme de indagar o que é na realidade e como se faz uma crônica filosófica.
Estou acompanhado aqui dos mestres brasileiros da crônica. Rubem Braga, Fernando Sabino, Carlos Heitor Cony, Carlos Drummond de Andrade, Sérgio Porto e outros. Estes me ensinam que escrever crônica é inventar um texto literário que parta de um evento cotidiano, onde o narrador faça quase de repórter e relate o circunstancial. Também ensinam que a crônica literária tem um rosto que se assemelha ao jornalismo mas... que não é inteiramente uma escrita jornalística, exatamente porque para ser texto literário de caráter artístico tem que ter a "literariedade" ou a "literaturnost", de que falavam os formmalistas russos, como ingrediente diferencial em relação aos outros gêneros.
Sublinha-se entretanto o diferente ponto de partida para cada autor. Para Rubem Braga, por exemplo, a crônica será o instante. Para Fernando Sabino será a narrativa curta que normalmente explora o lado surpreendente e humorístico da vida cotidiana e que outras vezes prefere assumir aquele lado romântico da vida que faz o cerne do romance.
Seja como for, o importante agora é destacar que na crônica a realidade é ficcionalizada. E por esse motivo, nada na escrita vai ser confundido com o rosto real das coisas. A crônica é portanto uma escrita ficcional. Mais do que isso: no dizer de Vinicius, é uma conversa meio fiada que a circunstância vai oferecendo ao escritor.
Bom, mas meu propósito era encarar a crônica filosófica. E a primeira pergunta é indagar se alguma coisa muda em relação à crônica literária. Digo isto porque tenho em minha biblioteca o texto “Le moi et son destin” (O Eu e seu destino) do filósofo francês Louis Lavelle, que é um dos nomes cimeiros do grupo "Philosophie de l’esprit" a que pertenceram René Le Senne, Jankélevitch, Nicolas Berdiaeff e outros. E esse livro é, na apresentação que dele faz o autor, a reunião de dezesseis crônicas filosóficas antes publicadas em "Le Temps". A origem dessas crônicas filosóficas tem relação com o tipo de leitura que casualmente seu autor fazia. Essas crônicas eram reflexões pessoais e o autor nada mais pretendia do que associar seus leitores a estas mesmas reflexões de cunho filosófico e metafísico. Lavelle partia do princípio de que os indivíduos são tocados normalmente por aquilo que os separa.
É claro que em filosofia também há cotidiano. Um quotidiano de natureza íntima. As emoções, as dúvidas, os pensamentos. Toda a trajetória da alma e a sua exuberante história. Há no homem um eu que é o centro de atribuição de atos e de responsabilidade. Perceber portanto que há no homem algo fundamental do qual tudo parte, é um ato de inteligência perceptiva. E portanto toda a atitude filosófica deve necessariamente depender do modo como cada um de nós apreende o “fato primitivo”. Dito por outras palavras, tudo depende do modo como cada um de nós entra em contato consigo mesmo e com o universo que vivemos. O “fato primitivo” é por isso a descoberta da existência solidária do universo e do eu.
Frente a este universo interior é possível também acompanhar a fenomenologia do espírito e relatar circunstâncias. Um pouco mais seriamente, mas é possível. É possível relatar experiências metafísicas. Experiências do mundo da inteligência e simpatias e antipatias. É possível escrever um diário metafísico. Um diário onde a crônica se torna mais sutil, mais íntima e menos humorística.
Quando falamos de crônica filosófica e metafísica estamos pensando na maneira de relatar, comentar e apresentar a história da alma, das ansiedades do eu, a história feliz e infeliz perfilhada pelo eu, a história do indivíduo na sua aventura no mundo, na sua experiência de angústia, na sua profunda desilusão perante a existência acossada pelo fantasma do nada, como sublinhou o existencialismo sartreano.
Mas pode haver uma crônica nobre, suspensa nos altos céus da liberdade, situada entre o dever e a graça, uma crônica sobre os meandros da má consciência, sobre as duas liberdades, a do mal e a do bem, e sobre a liberdade pessoal.
Finalmente, podemos ganhar a grande matéria da crônica filosófica tentando nos instalar na realidade do instante, que melhor do que qualquer outro momento, nos dá o espírito da vida, como Rubem Braga já o assinalou para a Literatura.
Além da realidade do instante, a crônica filosófica tenta registrar o futuro e o passado, o eterno retorno, com Heráclito, Nietzsche, Raul Proença ou com qualquer outro, para finalizar no clássico circuito do tempo e da eternidade.
E se não há idéia que tenha surgido no nosso espírito pela primeira vez, porque todas as idéias são potências da alma que já se exerceram no passado, então teremos aqui encontrado a matéria prima da crônica, que são as idéias literalizadas e comunicadas, a fonte básica da comunicação entre autor e leitor. O problema do tempo é nosso objeto permanente. O objeto único de nossa reflexão e de nossa ansiedade É no tempo que nós nascemos e que nós morreremos. É no tempo que vivemos. E no tempo escrevemos e lemos. É o tempo que condiciona a eventualidade de nossa crônica.
João Ferreira
CRÔNICA/ENSAIO
Arnaldo Jabor - As boquinhas fechadas
Extraído de: PPS
Estamos
vivendo um momento grave de nossa história política em que aparecem
dois tumores gêmeos de nossa doença: a união da direita do atraso com a
esquerda do atraso.
O Brasil está entregue à manipulação pelo
governo das denúncias, provas cabais, evidências solares, tudo diante
dos olhos impotentes da opinião pública, tapando a verdade de qualquer
jeito para uma espécie de "tomada do poder". Isso; porque não se trata
de um nome por outro - a ideia é mudar o Estado por dentro.
Tudo bem: muitos intelectuais têm todo o direito de acreditar nisso. Podem votar em quem quiserem. Democracia é assim.
Mas,
e os intelectuais que discordam e estão calados? Muitos que sempre
idealizaram o PT e se decepcionaram estão quietinhos com vergonha de
falar. Há o medo de serem chamados de reacionários ou caretas.
Há também a inércia dos "latifúndios intelectuais". Muitos acadêmicos se agarram em feudos teóricos e não ousam mudá-los. Uns são benjaminianos, outros hegelianos, mestres que justificam seus salários e status e, por isso, não podem "esquecer um pouco do que escreveram" para agir. Mudar é trair... Também não há coragem de admitirem o óbvio: o socialismo real fracassou. Seria uma heresia, seriam chamados de "revisionistas", como se tocassem na virgindade de Nossa Senhora.
O mito da revolução sagrada é muito grande entre nós, com o voluntarismo e o populismo antidemocrático. E não abrem mão de utopias - o presente é chato, preferem o futuro imaginário. Diante de Lula, o símbolo do "povo que subiu na vida", eles capitulam. Fácil era esculhambar FHC. Mas, como espinafrar um ex-operário? É tabu. Tragicamente, nossos pobres são fracos, doentes, ignorantes e não são a força da natureza, como eles acham. Precisam de ajuda, educação, crescimento para empregos, para além do Bolsa-Família. Quem tem peito de admitir isso? É certo que já houve um manifesto de homens sérios outro dia; mas faltam muitos que sabem (mas não dizem) que reformas políticas e econômicas seriam muito mais progressistas que velhas ideias generalistas, sobre o "todo, a luta de classes, a História". Mas eles não abrem mão dessa elegância ridícula e antiga. Não conseguem substituir um discurso épico por um mais realista. Preferem a paz de suas apostilas encardidas.
Não conseguem pensar em Weber em vez de Marx, em Sérgio Buarque em vez de Florestan Fernandes, em Tocqueville em vez de Gramsci.
A explicação desta afasia e desta fixação num marxismo-leninismo tardio é muito bem analisada em dois livros recentemente publicados: Passado Imperfeito, do Tony Judt (que acaba de morrer), e o livro de Jorge Caldeira História do Brasil com Empreendedores (Editora Companhia da Letras e Mameluco). Ali, vemos como a base de uma ideologia que persiste até hoje vem de ecos do "Front Populaire" da França nos anos 30, pautando as ideias de Caio Prado Jr. e deflagrando o marxismo obrigatório na Europa de 45 até 56. Os dois livros dialogam e mostram como persiste entre nós este sarapatel de teses: leninismo, getulismo desenvolvimentista - e agora, possível "chavismo cordial".
A agenda óbvia para melhorar o Brasil é consenso entre grandes cientistas sociais. Vários "prêmios Nobel" concordam com os pontos essenciais das reformas políticas e econômicas que fariam o Brasil decolar.
Mas, não; se o PT prevalecer com seu programa não-declarado (o aparente engana...), não teremos nada do que a cultura moderna preconiza.
O que vai acontecer com esse populismo-voluntarista-estatizante é previsível, é bê-á-bá em ciência política. O PT, que usou os bons resultados da economia do governo FHC para fingir que governou, ousa dizer que "estabilizou" a economia, quando o PT tudo fez para acabar com o Real, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, contra tudo que agora apregoa como atos "seus". Fingem de democratas para apodrecer a democracia por dentro.
Lula topa tudo para eleger seu clone que guardará a cadeira até 2014. Se eleito, as chamadas "forças populares", que ocupam mais de 100 mil postos no Estado aparelhado, vão permanecer nas "boquinhas", através de providências burocráticas de legitimação.
Os sinais estão claros.
As Agências Reguladoras serão assassinadas.
O Banco Central poderá perder a mínima autonomia se dirigentes petistas (que já rosnam) conseguirem anular Antonio Palocci, um dos poucos homens cultos e sensatos do partido.
Qualquer privatização essencial, como a do IRB, por exemplo, ou dos Correios (a gruta da eterna depravação) , será esquecida.
A reforma da Previdência "não é necessária" - já dizem eles -, pois os "neoliberais exageram muito sobre sua crise", não havendo nenhum "rombo" no orçamento.
A Lei de Responsabilidade Fiscal será desmoralizada.
Os gastos públicos aumentarão pois, como afirmam, "as despesas de custeio não diminuirão para não prejudicar o funcionamento da máquina pública".
Portanto, nossa maior doença - o Estado canceroso - será ignorada.
Voltará a obsessão do "Controle" sobre a mídia e a cultura, como já anunciam, nos obrigando a uma profecia autorrealizável.
Leis "chatas" serão ignoradas, como Lula já fez com seus desmandos de cabo eleitoral da Dilma ou com a Lei que proíbe reforma agrária em terras invadidas ilegalmente, "esquecendo-a" de propósito.
Lula sempre se disse "igual" a nós ou ao "povo", mas sempre do alto de uma "superioridade" mágica, como se ele estivesse "fora da política", como se a origem e a ignorância lhe concedessem uma sabedoria maior. Em um debate com Alckmin (lembram?), quando o tucano perguntou a Lula ao vivo de onde vinha o dinheiro dos aloprados, ouviu-se um "ohhhh!...." escandalizado entre eleitores, como se fosse um sacrilégio contra a santidade do operário "puro".
Vou guardar este artigo como um registro em cartório. Não é uma profecia; é o óbvio. Um dia, tirá-lo-ei do bolso e sofrerei a torta vingança de declarar: "Agora não adianta chorar sobre o chopinho derramado!"...
Há também a inércia dos "latifúndios intelectuais". Muitos acadêmicos se agarram em feudos teóricos e não ousam mudá-los. Uns são benjaminianos, outros hegelianos, mestres que justificam seus salários e status e, por isso, não podem "esquecer um pouco do que escreveram" para agir. Mudar é trair... Também não há coragem de admitirem o óbvio: o socialismo real fracassou. Seria uma heresia, seriam chamados de "revisionistas", como se tocassem na virgindade de Nossa Senhora.
O mito da revolução sagrada é muito grande entre nós, com o voluntarismo e o populismo antidemocrático. E não abrem mão de utopias - o presente é chato, preferem o futuro imaginário. Diante de Lula, o símbolo do "povo que subiu na vida", eles capitulam. Fácil era esculhambar FHC. Mas, como espinafrar um ex-operário? É tabu. Tragicamente, nossos pobres são fracos, doentes, ignorantes e não são a força da natureza, como eles acham. Precisam de ajuda, educação, crescimento para empregos, para além do Bolsa-Família. Quem tem peito de admitir isso? É certo que já houve um manifesto de homens sérios outro dia; mas faltam muitos que sabem (mas não dizem) que reformas políticas e econômicas seriam muito mais progressistas que velhas ideias generalistas, sobre o "todo, a luta de classes, a História". Mas eles não abrem mão dessa elegância ridícula e antiga. Não conseguem substituir um discurso épico por um mais realista. Preferem a paz de suas apostilas encardidas.
Não conseguem pensar em Weber em vez de Marx, em Sérgio Buarque em vez de Florestan Fernandes, em Tocqueville em vez de Gramsci.
A explicação desta afasia e desta fixação num marxismo-leninismo tardio é muito bem analisada em dois livros recentemente publicados: Passado Imperfeito, do Tony Judt (que acaba de morrer), e o livro de Jorge Caldeira História do Brasil com Empreendedores (Editora Companhia da Letras e Mameluco). Ali, vemos como a base de uma ideologia que persiste até hoje vem de ecos do "Front Populaire" da França nos anos 30, pautando as ideias de Caio Prado Jr. e deflagrando o marxismo obrigatório na Europa de 45 até 56. Os dois livros dialogam e mostram como persiste entre nós este sarapatel de teses: leninismo, getulismo desenvolvimentista - e agora, possível "chavismo cordial".
A agenda óbvia para melhorar o Brasil é consenso entre grandes cientistas sociais. Vários "prêmios Nobel" concordam com os pontos essenciais das reformas políticas e econômicas que fariam o Brasil decolar.
Mas, não; se o PT prevalecer com seu programa não-declarado (o aparente engana...), não teremos nada do que a cultura moderna preconiza.
O que vai acontecer com esse populismo-voluntarista-estatizante é previsível, é bê-á-bá em ciência política. O PT, que usou os bons resultados da economia do governo FHC para fingir que governou, ousa dizer que "estabilizou" a economia, quando o PT tudo fez para acabar com o Real, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, contra tudo que agora apregoa como atos "seus". Fingem de democratas para apodrecer a democracia por dentro.
Lula topa tudo para eleger seu clone que guardará a cadeira até 2014. Se eleito, as chamadas "forças populares", que ocupam mais de 100 mil postos no Estado aparelhado, vão permanecer nas "boquinhas", através de providências burocráticas de legitimação.
Os sinais estão claros.
As Agências Reguladoras serão assassinadas.
O Banco Central poderá perder a mínima autonomia se dirigentes petistas (que já rosnam) conseguirem anular Antonio Palocci, um dos poucos homens cultos e sensatos do partido.
Qualquer privatização essencial, como a do IRB, por exemplo, ou dos Correios (a gruta da eterna depravação) , será esquecida.
A reforma da Previdência "não é necessária" - já dizem eles -, pois os "neoliberais exageram muito sobre sua crise", não havendo nenhum "rombo" no orçamento.
A Lei de Responsabilidade Fiscal será desmoralizada.
Os gastos públicos aumentarão pois, como afirmam, "as despesas de custeio não diminuirão para não prejudicar o funcionamento da máquina pública".
Portanto, nossa maior doença - o Estado canceroso - será ignorada.
Voltará a obsessão do "Controle" sobre a mídia e a cultura, como já anunciam, nos obrigando a uma profecia autorrealizável.
Leis "chatas" serão ignoradas, como Lula já fez com seus desmandos de cabo eleitoral da Dilma ou com a Lei que proíbe reforma agrária em terras invadidas ilegalmente, "esquecendo-a" de propósito.
Lula sempre se disse "igual" a nós ou ao "povo", mas sempre do alto de uma "superioridade" mágica, como se ele estivesse "fora da política", como se a origem e a ignorância lhe concedessem uma sabedoria maior. Em um debate com Alckmin (lembram?), quando o tucano perguntou a Lula ao vivo de onde vinha o dinheiro dos aloprados, ouviu-se um "ohhhh!...." escandalizado entre eleitores, como se fosse um sacrilégio contra a santidade do operário "puro".
Vou guardar este artigo como um registro em cartório. Não é uma profecia; é o óbvio. Um dia, tirá-lo-ei do bolso e sofrerei a torta vingança de declarar: "Agora não adianta chorar sobre o chopinho derramado!"...
Autor: O Estado de S.Paulo
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Crônica Lírica
A crônica é lírica quando a saudade, a emoção e a nostalgia aparecem
no texto buscando interpretar de forma poética os sentimentos.
Exemplo:
Apelo
Amanhã faz um mês que a Senhora está longe de casa. Primeiros
dias, para dizer a verdade, não senti falta, bom chegar tarde, esquecido
na conversa de esquina. Não foi ausência por uma semana: o batom ainda
no lenço, o prato na mesa por engano, a imagem de relance no espelho.
Com os dias, Senhora, o leite primeira vez coalhou. A notícia de sua perda veio aos poucos: a pilha de jornais ali no chão, ninguém os guardou debaixo da escada. Toda a casa era um corredor deserto, até o canário ficou mudo. Não dar parte de fraco, ah, Senhora, fui beber com os amigos. Uma hora da noite eles se iam. Ficava só, sem o perdão de sua presença, última luz na varanda, a todas as aflições do dia.
Com os dias, Senhora, o leite primeira vez coalhou. A notícia de sua perda veio aos poucos: a pilha de jornais ali no chão, ninguém os guardou debaixo da escada. Toda a casa era um corredor deserto, até o canário ficou mudo. Não dar parte de fraco, ah, Senhora, fui beber com os amigos. Uma hora da noite eles se iam. Ficava só, sem o perdão de sua presença, última luz na varanda, a todas as aflições do dia.
Sentia falta da pequena briga pelo sal no tomate — meu jeito
de querer bem. Acaso é saudade, Senhora? Às suas violetas, na janela,
não lhes poupei água e elas murcham. Não tenho botão na camisa. Calço a
meia furada. Que fim levou o saca-rolha? Nenhum de nós sabe, sem a
Senhora, conversar com os outros: bocas raivosas mastigando. Venha para
casa, Senhora, por favor.
(Dalton Trevisan)
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